A sua contabilidade funciona como uma caixa preta - in "Semanário Económico" nº 671, 19 de Novembro de 1999
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- Categoria: Semanário Económico
- Atualizado em 17 novembro 2013
- Escrito por José Maria Pedro
Todas as empresas têm contabilidade, mais ou menos organizada, mais ou menos suportada por tecnologia, executada internamente por pessoal qualificado ou contratada externamente. A minha ideia é debater a disponibilidade da informação contabilística da empresa para apoiar a decisão e controlo da empresa.
Alguns profissionais deste meio entendem que a informação contabilística se resume ao Balanço, à Demonstração de Resultados e ao respectivo Anexo que justifica alguns valores inesperados. Contudo, a informação contabilística é mais do que essas peças finais, e a sua disponibilidade pode contribuir decisivamente para o desempenho da empresa. Todavia, a disponibilidade depende da capacidade dos funcionários para usar os dados e da distância física que os separa deles.
Nem precisamos de referir a contabilidade de custos e a sua importância para o controlo de produção e de funcionamento da empresa. Para mostrar que a informação é preciosa na organização, basta dizer que as melhores decisões são tomadas por pessoas com conhecimento das variáveis envolvidas e dos valores que podem assumir.
Assiste-se ainda a alguma dificuldade da parte de alguns profissionais da área financeira e contabilística em lidar com dados vindos directamente da informática. Normalmente, o especialista em contabilidade e gestão financeira, faz-se acompanhar de um elemento conhecedor da informática a quem pede para extrair estes ou aqueles dados do sistema e para os preparar numa folha de cálculo. A ambição típica é tentar meter uma infinidade de dados numa folha A4, organizados de formas diferentes. Qualquer coisa como tentar meter todo o Rossio na Rua da Betesga que é pequena.
Mas não culpemos os profissionais da área financeira pela não utilização directa dos dados, não sejamos tão exigentes. A verdade é que nem sempre é possível extrair dados dos sistemas porque estes não foram desenhados com funcionalidades de disponibilização fácil para fins diferentes dos tradicionais nos programas de contabilidade, isto é, o tal Balanço e Demonstração de Resultados. Nestas situações não há nada a fazer, o melhor é trocar de software na primeira oportunidade, incentivar a utilização da informação disponível e esperar que o pessoal da área financeira adira a este espírito.
A situação de haver efectivamente a possibilidade de usar em simultâneo com a incapacidade de lidar com os dados em suporte magnético para obter informação relevante é ainda muito comum infelizmente. Há quem se sinta mais confortável a lidar com papel. As listagens com mais de 20 linhas são mais vísiveis em papel do que no ecrã por algumas pessoas.
Sabemos que a informação actual e oportuna é um ingrediente fundamental para a decisão. Nesta medida, sendo o acesso à informação contabilística condicionado pela falta de habilidade e motivação da parte de quem deve usar a informação, é de esperar que as decisões não sejam as melhores.
Tenho notado ao longo da minha experiência em sistemas de informação que as pessoas gostam de usar os dados para captar informação da mesma forma que as crianças gostam de tactear e de dar forma à plasticina nas mãos. A capacidade de incorporar conhecimento individual num relatório (ou num boneco de plasticina) depende muito da oportunidade de mexer nos dados, de os ordenar, somar e observar de vários ângulos. Na minha maneira de ver, há toda a vantagem em dispor de capacidade para retirar e processar os dados directamente dos sistemas de informação da empresa porque é uma oportunidade de os 'sentir'.
Nunca compreendi a aversão das pessoas à utilização directa de dados obtidos em bases de dados dos sistemas de informação da empresa. Há apenas uma explicação que eu aceito: é preciso algum tempo para aprender a lidar com conversão de ficheiros e utilização eficiente de software de bases de dados. Como as decisões são sempre urgentes, nunca há tempo para treinar, por isso continuamos dependentes do outro colega do lado, o tal que é hábil nos computadores.
Dispensar a utilização de dados da contabilidade só porque os profissionais da contabilidade não são capazes de usar os sistemas de uma forma aberta é como recusar a oportunidade de obter mais informação. É usar a contabilidade como caixa preta, sabemos que grava as coisas mas não sabemos nem queremos saber como podemos ter acesso. Sabemos que deverá ser muito útil em caso de catástrofe, para determinar as causas do acidente, mas não desejamos usá-la para outros fins, é tabu.
Esta linha de pensamento pode levar à ideia de que todos os sistemas de informação deverão ser completamente abertos na empresa, no entanto, isso não me parece defensável. Os sistemas devem ser usados por quem precisa da informação para as suas tarefas na empresa, independentemente do nível hierárquico onde se situem as tarefas a executar.
Neste entendimento é inaceitável que um profissional de contabilidade não esteja preparado para obter e tratar informação contabilística directamente do software de contabilidade da empresa. Na era das compatibilidades informáticas onde tudo se pode interligar sem problemas, como dizem os fornecedores de software e de hardware, não faz sentido usar software fechado do tipo caixa preta, nem profissionais incapazes de usar os dados desses sistemas.
As tendências modernas dos sistemas de informação das empresas vão no sentido da integração máxima. Trata-se de uma orientação indispensável, que faz sentido por garantir maior disponibilidade, integridade e fiabilidade dos dados, evitando simultaneamente custos redundantes de introdução dos mesmos dados em locais diferentes da mesma empresa.
Recentemente tive oportunidade de observar a instalação de um destes sistemas integradores numa empresa multinacional e fiquei impressionado com a importância que é dada à capacidade dos gestores na utilização dos dados dos sistemas a instalar. As instruções da sede eram claras e simples: a instalação do novo sistema custará cerca de 200 mil contos; terão um ano para fazer a instalação e adaptação dos sistemas; serão dispensados 6 empregados de qualquer área da empresa no fim do processo; os gestores ficarão todos envolvidos nesta iniciativa devendo os directores dispor de 20% do seu tempo durante este ano para definirem que dados pretendem obter a partir dos sistemas a instalar; e finalmente, quem não estiver de acordo ou não for capaz de acompanhar o processo pode colocar o lugar à disposição. Parece-lhe uma atitude ditatorial? A verdade é que esta empresa multinacional depende da integração da informação para sobreviver, só com sistemas de informação compatíveis e integrados poderá conseguir esse objectivo.
Compare esta empresa que adoptou um sistema empresarial do tipo SAP que integra todos os sistemas de informação internos como a Contabilidade, Aprovisionamento, Produção, Facturação, Salários, Fornecedores, etc. com outra que se limita a enviar os seus documentos para uma empresa externa de serviços, recebendo um extracto dos lançamentos periodicamente. A primeira dispõe de um manancial de informação incrivelmente mais vasto com um potencial de decisão muito maior do que a segunda. A segunda dispensou a possibilidade de dispor da sua informação em troca de alguma redução de custos, é certo, mas dispensou também alguma qualidade das suas decisões, pondo em risco o seu futuro. Podemos dizer seguramente que a capacidade competitiva da empresa que usa efectivamente a sua informação é muito maior do que a da outra que não a consegue usar.
A luta pelas vantagens competitivas das empresas é uma fonte de qualidade porque conduz a novos métodos de trabalho e novos produtos. É também implacável. Sobrevivem aquelas que tiverem maior capacidade de diferenciação, mas para isso é indispensável tomar decisões certas e oportunas. Como para produzir decisões certas e oportunas é indispensável ter conhecimento da situação, torna-se indispensável estar aberto a toda a informação e incentivar a sua disponibilidade.
Sendo assim, não se compreende a aposta em sistemas de informação fechados (caixa preta) nem na manutenção de profissionais incapazes de usar os dados disponíveis nos sistemas de informação da empresa.