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Só posso medir o que posso gerir?..., Apresentado no encontro SAS CAUS-2002

Versão ilustrada

O debate actual dos temas da gestão de conhecimento está definitivamente lançado e pode ser avaliado pelos inúmeros textos publicados nos últimos anos. Todavia, apesar de grandes avanços, algumas variáveis relevantes no domínio da gestão de conhecimento não podem ser controladas pelo gestor. O texto que se apresenta a seguir é uma reflexão breve sobre a possibilidade de medir e de gerir efectivamente a criação de conhecimento. Usámos para isso as ideias de Nonaka e Takeuchi sobre a criação de conhecimento organizacional.

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A informação sobre os factos que ocorrem na empresa e a medição para saber se uma variável ficou aquém ou além do que era esperado é absolutamente indispensável para sobreviver em ambiente de competição.

Para compreender como esta ideia é importante, proponho uma viagem no mundo das hipóteses: Imagine uma situação de ausência total de informação e de gestão na sua empresa. Não existem indicadores sobre a utilização dos recursos, ninguém sabe como funciona a empresa, nem sabemos quem são os clientes e muito, menos as suas necessidades e preferências. Ninguém sabe o que deve fazer, estamos perante uma realidade caótica, a anarquia manifesta-se em todas as dimensões, a falência é o destino mais certo para a empresa. 

Neste cenário utópico facilmente se compreende a importância da gestão assente em indicadores fiáveis da actividade da empresa. Podemos dizer que é inteligente medir / avaliar ou seja é inteligente gerir / decidir.

Quando falamos de conhecimento, e é disso que queremos falar, estamos perante um recurso diferente dos restantes porque é usado em qualquer ponto da cadeia de valor da empresa e não se gasta com a utilização.

Além de se tratar de um recurso especial, como veremos mais adiante, o conhecimento é um activo presente em várias dimensões [Ikujiro Nonaka & Noboru Konno, 1998]: 

  

Dimensões do conhecimento

 

Este recurso coloca-nos problemas de medição e de gestão únicos porque é dinâmico no tempo, no espaço e na sua utilização. Há questões ainda sem resposta:

  • Será possível gerir conhecimento como os outros recursos? 
  • Quais são as condições fundamentais para a criação e utilização de conhecimento? 
  • Onde se faz a criação de conhecimento? 

Uma visão do conhecimento individual leva-nos à ideia de que se trata de um enorme iceberg constituído por uma parte visível a que chamamos conhecimento explícito e outra invisível a que chamamos conhecimento tácito. Cada um destes tipos de conhecimento coloca diferentes problemas de gestão:

  

Problemas de gestão do conhecimento individual

Tipo de conhecimento individual

Características

Problemas de gestão

Explícito 

· Pode ser transmitido (documentos, manuais, ...)

· Pode ser do indivíduo, do grupo, da empresa ou do mercado 

 

Pode ser medido e gerido

Tácito

· Dimensão técnica (capacidades pessoais): com alguma dificuldade, pode ser medida, contratada, desenvolvida, ...

·Dimensão cognitiva (crenças, ideais, valores, esquema, modelos mentais, ...): dificilmente pode ser medida e gerida ...

Não pode ser medido ou gerido.

Não é transaccionável ao nível individual, mas ... podemos comprar um grupo ou uma empresa para captar este tipo de conhecimento...

 

 

Admitindo que para gerir é preciso medir os recursos (economia), controlar o processo produtivo (eficiência) e medir os resultados (eficácia), podemos analisar o jogo entre conhecimento tácito e explícito usando o modelo de Ikujiro Nonaka. Neste modelo o conhecimento nasce do jogo da conversão de conhecimento de um estado a outro no ambiente em que o indivíduo, o grupo, a empresa e o mercado actuam.

Para este autor existem quatro processos sequenciais, ininterruptos e em espiral, onde o conhecimento nasce como energia libertada do processo. No nosso entendimento, o gestor pode ou não intervir consoante se trate de conhecimento tácito ou explícito. Vejamos até que ponto o gestor pode medir e gerir cada um dos quatro processos:

Externalização: Os indivíduos constituem-se em grupo e libertam algum do seu conhecimento tácito tornando-o explícito para o grupo:

¼ Posso medir os recursos envolvidos? Sim: indivíduos, reuniões, grupos, documentos, contactos, repositórios, meios, ...

¼ Posso medir os efeitos? Sim: documentos, produtos, repositórios, grupos, contactos, ...

¼ Posso gerir o processo? Sim.

Þ Então, posso gerir a externalização de conhecimento ...

Combinação: Cada grupo contribui com o seu conhecimento explícito para a organização onde está inserido permitindo combinar conhecimento de diversas fontes enriquecendo o resultado:

¼ Posso medir os recursos? Sim: grupos, empresas, reuniões, encontros, documentos, contactos, repositórios, Meios, ...

¼ Posso medir os efeitos? Sim: documentos, repositórios, novos produtos, vendas

¼ Posso gerir o processo? Sim.

Þ Então, posso gerir a combinação de conhecimento ...

Internalização: O indivíduo ao actuar em grupo, na empresa e no mercado internaliza conhecimento explícito, aumentando e modificando o seu próprio conhecimento tácito:

¼ Posso medir os recursos? Sim: indivíduos, reuniões, grupos, documentos, contactos, repositórios, meios

¼ Posso medir os efeitos? Talvez: nos indivíduos, no grupo, na empresa, no mercado

¼ Posso gerir o processo? Não.

Þ Então, não posso gerir a internalização de conhecimento ...

Socialização: Os indivíduos interagem socialmente, trocando e enriquecendo mutuamente o seu conhecimento tácito. Trata-se de uma passagem de conhecimento tácito para conhecimento tácito:

¼ Posso medir os recursos envolvidos? Sim: indivíduos, contactos,

¼ Posso medir os efeitos? Não.

¼ Posso gerir o processo? Talvez.

Þ Então, não posso gerir a socialização de conhecimento ...

A partir desta reflexão podemos dizer que só podemos realmente medir e controlar as variáveis associadas ao processo quando se trata de conhecimento explícito, isto é, na externalização e na combinação de conhecimento. A espiral de conhecimento de Nonaka e Takeuchi mostra momentos em que o gestor pode medir e intervir e outros em que o gestor não pode mesmo medir, ficando-lhe sempre a possibilidade de gerir no escuro – sem dados objectivos.

Tal como a análise do conteúdo destes processos, podemos considerar a passagem de um processo a outro na geração do conhecimento:

¼ Externalização -> Combinação

¼ Combinação -> Internalização

¼ Internalização -> Socialização

¼ Socialização -> Externalização

O resultado dessa passagem mostra também que só podemos medir e gerir os processos que lidam com conhecimento explícito, ou seja a passagem do processo Externalização -> Combinação.

Adicionalmente, há ainda outro obstáculo à medição e gestão do conhecimento: O indivíduo constrói a imagem do objecto ou fenómeno com o seu conhecimento instrumental, isto é, “os olhos não são inocentes!”. Em cada observação de um objecto ou fenómeno intervém a imagem do objecto e todo o conhecimento tácito do indivíduo que observa. Além disso, o próprio indivíduo também é afectado pelos objectos e fenómenos que presencia, podendo obter uma imagem diferente numa segunda observação em momento diferente.

O acto de conhecer é um momento activo


 

 

É claro que um indivíduo pode estar em diferentes níveis na hierarquia de conhecimento [Sveiby, 1998]:

  • Skill (habilidade): Seguir regras que podem ser controladas pelo próprio sujeito;
  • Know-How (saber): Seguir regras estabelecidas em contexto social fora do sujeito (grupo / empresa / mercado);
  • Competence (competência): ser capaz e poder alterar as regras;

Qualquer destes níveis é útil à empresa. Supondo que se trata de um gestor do nível elevado nesta hierarquia de conhecimento ele só pode ser útil à empresa se for competente, se conhecer o que se está a passar e o que vai acontecer, pois precisa de perspectivar e influenciar o futuro. Só pode gerir se conhecer, porque para gerir é preciso decidir sobre opções. A empresa e o seu ambiente são um espaço permanente de opções, são conhecimento focal que o gestor pode ou não aproveitar da melhor forma.

Mas como podemos medir o conhecimento neste ambiente de interacção permanente entre o gestor e os fenómenos empresariais? Ou entre todos os intervenientes na empresa e o mercado? Essa é a grande dificuldade, o grande desafio.

Este desafio tem ocupado um conjunto significativo de teóricos da gestão. A indústria do software de última geração, designado por software da economia do conhecimento mostra também os efeitos desta tendência. Qualquer empresa, mesmo a mais insignificante, tem já o software trivial que lhe permite medir e acompanhar minimamente a actividade da empresa. Falamos de aplicações como:

  • Gestão de Stocks;
  • Contabilidade Geral
  • Processamento de salários
  • Facturação
  • ...

O que nem todas as empresas possuem ainda é software que permita diferenciar a competência dos seus gestores, o tal software da economia do conhecimento capaz de ajudar o gestor competente a alterar as regras e a condicionar o futuro de modo a colocar a sua empresa em vantagem competitiva sustentável no mercado.

Em conclusão, podemos dizer que o conhecimento não pode ser medido e gerido como qualquer activo (uma parte do iceberg é invisível...), podemos apenas ajudar e esperar que a parte submersa do iceberg se desenvolva e manifeste os seus efeitos. Só podemos medir conhecimento explícito, para medir conhecimento tácito temos de o tornar explícito.

O conhecimento só pode ser gerido se os gestores forem competentes (capazes de modificar as regras no sentido correcto...) e:

  • Se compreenderem o dinamismo da criação de conhecimento
  • Se apoiarem a criação, difusão e utilização de conhecimento na empresa
  • Se promoverem a avaliação ao longo de toda a cadeia de valor
  • Se tiverem instrumentos para medir e gerir

 

BIBLIOGRAFIA

 

CHOO, Chun Wei - Information Management for the Intelligent Organization: The Art of Scanning the Environment. Asis Monograph Series, 1998. ISBN 1-57387-057-9.

DAVENPORT, Tom H.; PRUSAK, Laurence - Working Knowledge : How Organizations Manage What They Know. Harvard Business School Press, 1998. ISBN 0-87584-655-6.

EDVINSSON, Leif & MALONE, Michael S. (Contributor) - Intellectual Capital: Realizing Your Company's True Value by Finding Its Hidden Roots. Harper Business, 1997. ISBN 0-88730-841-4.

KAPLAN, Robert S. & NORTON, David P. - Balanced Scorecard, Translating Startegy into Action. HBS Press, 1996. ISBN 0-87584-651-3.

KROGH, Georg Von & ICHIJO, Kazuo & NONAKA, Ikujiro - Enabling Knowledge Creation: How to Unlock the Mystery of Tacit Knowledge and Release the Power of Innovation. Oxford University Press, 2000. ISBN 0-19-512616-5.

NONAKA, Ikujiro & TAKEUCHI, Hirotaka - The Knowledge-Creating Company. Oxford, 1995. ISBN 0-19-509269-4.

STEWART, Thomas A. - Intellectual Capital: The New Wealth of Organizations. Doubleday. Currency, 1997. ISBN 0-385-48228-0.

SVEIBY, Karl Erik - The New Organizational Wealth: Managing & Measuring Knowledge-Based Assets. Berrett-Koehler Publishers, Inc, 1997. ISBN 1-57675-014-0.

TURBAM, Efraim & ARONSON, Jay E. - Decision Support Systems and Intelligent Systems. 5ª edição: Prentice Hall, 1998. ISBN 0-13-320383-2.

 

[1] Consideramos que para gerir é preciso medir