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Capital Conhecimento: a importância dos activos intangíveis nas empresas é cada vez maior - é urgente caracterizar, avaliar e contabilizar esses activos, in Revista da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, Ano II, nº 15, 2001

Capital Conhecimento ou Capital Intelectual são conceitos que pretendem designar o conjunto de activos intangíveis que formam o valor da empresa juntamente com os activos tangíveis. A designação mais tradicional é Goodwill para os profissionais de contabilidade, mas há novidades relativamente a este conceito definido nas normas contabilísticas com um significado rigoroso e tratado normalmente como um activo amortizável.

Os conceitos de Capital Conhecimento ou Capital Intelectual são mais abrangentes e livres do que o termo Goodwill. Uma vez que a intangibilidade destes activos tem origem nas pessoas, na sua capacidade de acção, nos vestígios que deixam nas organizações e nos relacionamentos que estabelecem entre si e com outras organizações, muitos autores preferem chamar-lhe Capital Conhecimento e consideram-no um activo permanente a reavaliar anualmente e a contabilizar no balanço como qualquer activo tangível.

O nome não é muito importante, a dificuldade está no conteúdo do conceito, na identificação das parcelas e na sua avaliação. Há algumas tentativas interessantes de identificação e medição desses activos, mas ainda não há consenso, por isso ainda não deixou de ser um grande problema que é urgente resolver.

Um estudo recente efectuado sobre todas as empresas cotadas na Bolsa de Valores de Lisboa desde 1991 até 1999 revelou que a parte intangível do valor da empresa tem vindo a crescer, situando-se em 1999, em mais do dobro do activo total líquido das empresas.



A análise atenta do gráfico que apresentamos mostra que desde 1993, a parte intangível do valor da empresa é maior que o valor contabilístico líquido em termos médios nas empresas cotadas na Bolsa de Valores de Lisboa. Quer isto dizer que a parte intangível é cada vez maior no valor de mercado das empresas. Naturalmente que nem todas as empresas estão nesta situação, algumas estão acima da média de rácios, outras estão abaixo. A média aqui apresentada é uma tendência global. Os valores por empresa e por sector são surpreendentes, mas dispensamo-nos de os divulgar! Outros autores fizeram estudos semelhantes em Países diferentes, tendo concluído que esta tendência é geral, não se verifica apenas em Portugal.

A importância emergente do conhecimento reflecte a crescente dependência das empresas dos activos intangíveis. O crescimento da importância da parte intangível do valor da empresa pode trazer consequências inesperadas para a gestão. Repare que as decisões de gestão assentam normalmente em indicadores contabilísticos e financeiros produzidos na empresa. Mas quando constatamos que a contabilidade cobre apenas um terço do valor da empresa, somos levados a admitir que nem todas essas decisões podem ser correctas. De facto os indicadores contabilísticos explicam apenas uma pequena parte dos factos geradores de valor na empresa, por isso não podem constituir uma base segura de decisão!

À parte intangível do valor da empresa chamamos capital conhecimento por ser gerada fundamentalmente a partir de conhecimento das pessoas dos grupos ou da empresa globalmente, mesmo quando esse conhecimento está integrado nos processos de funcionamento e relacionamento ou quando se materializa em opções de gestão. Segundo os autores que estudam esta matéria, quanto maior for a parte intangível, ou seja, quanto maior for o capital conhecimento numa empresa maior será a sua probabilidade de produzir riqueza no futuro.

Quando interiorizamos esta ideia e olhamos para a dimensão relativa dos activos intangíveis nas empresas somos assaltados por alguma ansiedade. Tudo o que sabemos de gestão assenta sobretudo em pressupostos desenvolvidos com base na gestão de activos tangíveis como os edifícios, os carros e outros bens visíveis. Annie Brooking, uma autora muito conhecida neste tema, diz que o mundo está a mudar mais uma vez, por isso é urgente encontrar novos processos de monitorar e gerir as organizações que reflictam essa mudança.

As consequências do desenvolvimento da importância do conhecimento verificaram-se tanto na economia como no interior das próprias empresas. Segundo Prusak e Mintzeberg autores conhecidos nesta área, a abordagem das alterações que levaram a focar as atenções no conhecimento, permite identificar várias modificações de relevo com consequências no aumento da importância do capital conhecimento nas empresas:

Primeira modificação: o ritmo de modificação acelerou para os mercados, tecnologias, oportunidades e competição. As transformações verificadas na tecnologia e nos mercados produzem as oportunidades mais rapidamente e geram mais competição do que nos tempos clássicos onde a informação se deslocava lentamente entre os intervenientes nesses mercados. Uma mudança rápida das condições significa também obsolescência rápida do conhecimento e a consequente necessidade de criar novos conhecimentos para inovar, criar e manter vantagens competitivas. Os desafios postos à gestão por este ritmo de transformação são elevados. A forma mais rápida de mudar o conhecimento é mudar as pessoas porque estas são as detentoras reais do conhecimento. Mas fazer isso de forma sistemática pode ser uma decisão pouco sensata porque estas pessoas dispõem de conhecimento necessário e útil à empresa criado ao longo da sua permanência dentro dela. Por vezes a saída de um elemento pode criar sérias dificuldade aos projectos em que este indivíduo participa, quando se trata de alguém cujos conhecimentos são essenciais e únicos, os efeitos da saída são dramáticos.

Segunda modificação: Os produtos tendem a ajustar-se cada vez mais aos interesses do cliente. Há um processo de reajustamento da produção aos desejos dos clientes designado por costumização que conduz à ideia de que os produtos não devem ser massificados como se todos os clientes gostassem do mesmo produto. Cada vez é necessário conhecer melhor os clientes para poder apresentar uma proposta de valor atractiva capaz de satisfazer as exigências mais individuais dos consumidores. Estão em desenvolvimento novas formas de organização do relacionamento das empresas com os clientes, o termo CRM (Customer Relationship Management) está a vulgarizar-se.

Terceira modificação: a natureza dos bens e serviços mudou, o peso relativo da parte intangível tende a crescer porque há mais serviço antes e após a venda. Para um laboratório de pesquisa, uma empresa de consultoria, ou de software, o inventário mais importante não é o dos activos físicos, mas sim o que identifica o conhecimento acumulado na cabeça das pessoas, nos processos adoptados, nas relações estabelecidas entre as pessoas internas e externas à empresa (colaboradores, clientes e fornecedores). Mesmo nos produtos menos intensivos em informação a componente serviço tem vindo a crescer, incorporando mais conhecimento.

Quarta modificação: o âmbito espacial das empresas e do mercado mudou, agora é mais amplo com a globalização da economia, passou as fronteiras dos países e dos continentes. Uma empresa com sede num ponto do globo pode actuar no outro extremo da terra sem que isso se torne num fardo incrível para a gestão ou tão caro em termos de custos financeiros que se torne insustentável. Do espaço físico, como o das feiras tradicionais da cidade e das vilas, passámos para um espaço virtual onde a distância física real já não é tão determinante. O aparecimento e desenvolvimento do comércio electrónico é uma evidência desta modificação conseguida graças à evolução tecnológica verificada nos últimos anos.

Quinta modificação: o número de empregados e a taxa de rotação mudaram. As empresas procuram reduzir o número de empregados mantendo o mesmo nível de conhecimento nos restantes. Procura-se que cada novo empregado tenham mais competências e permita reduzir o número global necessário. Este processo conduz à necessidade de gestão de conhecimento cuidada com ênfase para a qualidade e motivação dos colaboradores. O número de empregados é cada vez menos importante, o que conta são as suas competências e o seu alinhamento com a estratégia da empresa.

Sexta modificação: a estrutura das organizações mudou, tende a ser virtual e mais flexível do que as tradicionais. Henry Mintzberg & Ludo Van der Heyden, fizeram um estudo interessantíssimo, publicado na Harvard Business Review de Setembro-Outubro de 1999, defendendo a ideia de que há novas formas básicas de organizar (SET, CHAIN, HUB e WEB) que podem coexistir na mesma organização em diferentes áreas de negócio combinadas entre si. Há um realinhamento das empresas no sentido dos mercados, dos produtos e dos processos sem barreiras geográficas. A cadeia de valor pode ser desenvolvida com base em equipas dispersas e flexíveis. A complementaridade de competências entre vários aliados pode ser facilmente levada à prática num espaço virtual. O caso da livraria amazon.com ilustra esta nova realidade, consegue orquestrar a promoção, venda e entrega de mais de um milhão de títulos a partir de um sistema de informação visível em todo o mundo assente em estruturas flexíveis.

Sétima modificação: as potencialidades das tecnologias de informação facilitam a formalização da gestão do conhecimento e a sua divulgação. A utilização de redes interactivas conseguida com as telecomunicações e tecnologias como groupware, podem aproximar as pessoas, pondo-as em contacto e em acção. Pessoas com conhecimentos elevados ficam assim disponíveis para quem pretenda captar esse conhecimento.


Modificações que contribuem para valorizar os activos intangíveis

  1. O ritmo de modificação acelerou para os mercados, tecnologias, oportunidades e competição

  2. Os produtos tendem a ajustar-se cada vez mais aos interesses do cliente

  3. A natureza dos bens e serviços mudou, o peso relativo da parte intangível tende a crescer porque o serviço antes e após a venda é cada vez mais importante

  4. O âmbito espacial das empresas e do mercado mudou, agora é mais amplo, com a globalização da economia passou as fronteiras dos países e dos continentes

  5. O número de empregados reduziu e a taxa de rotação aumentou

  6. A estrutura das organizações mudou, tende a ser virtual e mais flexível do que as tradicionais

  7. As potencialidades das tecnologias de informação facilitam a formalização da gestão do conhecimento e a sua divulgação


Em conclusão, podemos salientar três pontos que devem merecer a atenção urgente dos teóricos da contabilidade e da gestão:

Primeiro: existem dados que mostram a crescente importância relativa dos activos intangíveis na empresa e alguns factos que ilustram diversas modificações cuja natureza faz destacar a importância do capital conhecimento tornando-o um factor cada vez mais relevantes na actividade empresarial moderna.

Segundo: é urgente rever a contabilidade de modo a considerar a parte intangível do valor da empresa, capital conhecimento, tratando-o como um activo e não apenas como uma parcela de Goodwill a amortizar e a fazer desaparecer rapidamente das contas. A este propósito há um artigo publicado na Revista dos ROC em Janeiro de 2001 que abre alguns caminhos de debate para esta questão.

Terceiro: antes de partir para a discussão da forma de contabilização do capital conhecimento é indispensável proceder à identificação e avaliação das parcelas que formam o valor global do capital conhecimento. Apesar de haver já alguma tendência para a aceitação da ideia de que o capital conhecimento é constituído por três componentes: Capital Humano, Capital Estrutural e Capital Cliente, não há ainda consenso quanto às parcelas a incluir em cada um destes componentes nem quanto à forma de determinar o seu valor.